SÓ A FELICIDADE É JUSTA?

“Não admitimos a infelicidade, só a felicidade nos parece justa.”

O diabo no corpo – Raymond Radiguet

 

Quando eu li essa frase já no finalzinho do livro O diabo no corpo do Radiguet imediatamente fiquei pensando como ela poderia servir de base para uma conversa no blog, estar vivenciando esse período de pandemia, quarentena, isolamento social me faz refletir cada vez mais sobre alguns assuntos e falar sobre felicidade x infelicidade quando todas as nossas emoções estão reviradas, confusas se faz oportuno.

 

Elke Maravilha, por ela mesma. Braxil Filmes

Elke Maravilha dizia que não tinha problemas com bandidos, que até eles, tem ética e honra. E em uma entrevista para um documentário ela disse “O que seria do mundo sem bandido? Sem o mal, exército morria de fome, policial morreria de fome, advogado, juiz, promotor morreria de fome, arte não existiria mais, porque a arte veio para salvar. Igreja não ia precisar a maior parte das doenças não iria ter, é desconfortável, a pessoa má é desconfortável, mas da forma como estruturamos o mundo até o chaveiro morreria de fome.”

 Da mesma forma acredito que para todo mundo a infelicidade é também desconfortável, ninguém gosta de estar triste, sofrendo pelos motivos mais aleatórios e individuais possíveis, não admitimos nossas infelicidades, como escreveu Radiguet, o mundo das redes sociais nos coloca de frente para pessoas sempre felizes e sorridentes, com suas vidas perfeitas e altamente editadas, só a felicidade nos parece justa e é ai que mora um dos nossos grandes problemas, porque necessitamos da infelicidade, daquele momento de recolhimento e do pranto para nos descobrirmos mais e melhor, para pausarmos a vida tão corriqueira e entendermos que também o pranto é bom.

 

Capa do álbum AOS PRANTOS - LETRUX


Em seu novo álbum AOS PRANTOS a cantora Letrux (que eu adoro) resolveu também falar do pranto, da infelicidade e na canção Eu estou aos prantos, ela nos faz um questionamento “eu estou aos prantos, quem não?”

Acho que está mais do que na hora de ressignificarmos o sentimento de infelicidade em nossas vidas, não precisa ser nada poético e nem precisamos ficar tentando encontrar beleza na tristeza, é só aprender a viver esse momento.

Pensar esse momento como qualquer outra coisa em nossas vidas, há um início e haverá também um final, o importante é tirarmos proveito do que fica nesse meio, eu tenho procurado vivenciar minhas emoções e meus sentimentos sem questioná-los, viver a raiva, o drama a emoção como um momento único (e eles são), porque não fazer isso também com a infelicidade? Tornar justo esse sentimento.

 Eu estou aos prantos diante de tanta coisa ruim a nossa volta, diante de um país que não tem respeito e empatia com os seus, diante de um povo que não chora seus mortos, diante de uma situação de total incapacidade que me obriga a ficar em casa e nem mais sentir a poesia das ruas, o movimento da vida, a expressão dos corpos em movimento, que me limita a uma arte ligada à tecnologia e a minha própria arte, estou aos prantos pelos colegas e amigos que vão se contaminando, caindo pelo caminho, pela mente que vai ficando cada dia mais ansiosa e depressiva e parece que não haverá escapatória, mas haverá...

Como escreveu Clarice Lispector no conto A Procura de uma dignidade “tem! que! haver! uma! porta! de saííída!

Fiquem bem, fiquem em casa e vivam a infelicidade.


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